Como avaliar os benefícios da aplicação de metodologias de Ecodesign no desenvolvimento de projetos?
Desde a Conferência de Estocolmo em 1972, quando, pela primeira vez, chamou-se atenção para os impactos negativos do processo de desenvolvimento no meio ambiente e no tecido social, bem como com a criação do conceito de Desenvolvimento Sustentável, proposto pelo relatório Brundtland, em 1987, há uma crescente preocupação em como criar meios de mensurar os impactos das ações da sociedade, bem como comunicá-las de forma eficiente ao público.
Em todo o processo de desenvolvimento de projetos é de vital importância o estabelecimento de indicadores, que mensurem, quantitativamente e qualitativamente os benefícios da aplicação de metodologias de Ecodesign em comparação com processos tradicionais, no desenvolvimento de produtos, serviços e processos.
Christian Ullmann, professor do terceiro módulo do Programa de Ecodesign, nos apresentou cases nacionais e internacionais, ressaltando a importância da aplicação de métodos para a avaliação e comunicação de indicadores de sustentabilidade.

O que são indicadores?

Segundo Quiroga (2002), um indicador é uma variável que, em função do valor que assume em determinado tempo, desdobra significados que não são aparentes imediatamente, pois existe um construtor cultural e de significado social que se associa ao mesmo. Desta forma, nos permitem sintetizar informação sobre uma realidade complexa e variável. Os indicadores são em si informação seleta e processada, cuja utilidade tem sido predefinida e sua existência justificada, portanto permitem a realização de um trabalho mais eficiente, auxiliando-nos a evitar conseqüências indesejáveis que possam ocorrer com maior freqüência quando não se pode produzir ou processar toda a informação pertinente para o caso.
Em especial na indústria, é essencial saber identificar como o processo de desenvolvimento de seus produtos podem impactar aqueles que fazem parte do processo, ou são impactados indiretamente por eles. Estes indicadores são importantes para compreender e aplicar melhorias em todo o ciclo de vida de seus produtos. É igualmente importante saber não apenas identificar, mas comunicar. Com a crescente exigência por parte do público consumidor, as indústrias precisam tornar o seu impacto mais transparente, seja no consumo de insumos naturais, água e energia.

Abordagens estratégias da aplicação do design para a sustentabilidade (Manzini & Vezolli, 2002)


Existem diferentes modelos de indicadores, sejam sociais ou ambientais, que podem ajudar as empresas a melhorar seu modelo de produção e consumo. Estes modelos funcionam auxiliando na análise dos impactos gerados pelo processo produtivo, gerando informações para a identificação de medidas de mitigação social e ambiental, bem como as estratégias de compensação dos impactos gerados e a comunicação destas informações com clareza para o consumidor.
 
O conhecimento destes diferentes modelos é importante também para o profissional de Ecodesign, pois é a partir deles que irá se basear a aplicação das metodologias adequadas no design,desenvolvendo estratégias que envolvam todo o processo de produção e consumo de produtos e serviços, que segundo Manzini & Vezzoli( 2002),  podem se dividir em quatro níveis principais,abordagens em que o design pode atuar para a sustentabilidade, como descritos ao lado:
 
 
 

Manzini e Vezzoli (2002) – ACV – Avaiação de Ciclo de Vida 

Infográfico sobre os fluxos de matéria, energia e geração de resíduos, considerados na ACV


De acordo com Manzini & Vezzoli (2002), a ACV  – Avaliação de Ciclo de Vida de Produto, é uma metodologia que quantifica as entradas e saídas de matéria e energia de um sistema e classifica este fluxo em categorias de impactos ambientais.
O ciclo de vida de um produto refere-se às trocas (input e output) entre o ambiente e o conjunto dos processos que acompanham o “nascimento”, “vida” e a “morte” do produto. O ciclo de vida é considerado desde a extração dos recursos necessários para a produção das matérias-primas que o constituem até o tratamento final dos mesmos materiais após seu uso. É o conjunto de atividades e processos que absorvem matéria e energia para as operações de transformação e que liberam emissões diversas para a natureza.
O produto é interpretado em relação aos fluxos de matéria, energia e emissões das atividades que o acompanham durante toda sua vida do berço ao túmulo ou do berço ao berço. “Esta abordagem permite uma visão ampla da vida do produto, de seu futuro, seu fim de vida e valor atribuído na reintegração no ciclo de outro produto.”
 

Desenvolvendo produtos “do berço ao berço” – Metodologia Cradle to Cradle

De acordo com Kazazian (2005), nos sistemas naturais há um “fluxo continuo de transformação da matéria, que garante a evolução. A matéria nunca é destruída, mas transformada.” Porém, diferentemente dos ciclos no ambiente natural, nos sistemas industriais, há cerca de 200 anos os diferentes produtos são desenvolvidos a partir de um modelo (mental e produtivo) linear. As industrias contemplam, na criação de seus produtos, seu ciclo de vida até o consumo, ignorando o que acontece  após o uso, levando estes produtos a um descarte inadequado, pressionando as cidades a lidarem com a alta geração de diferentes tipos de resíduos criada pela falta de um planejamento que contemplem todo o ciclo de vida de um produto.
A metodologia Cradle to Cradle (de Berço a Berço  – C2C®) é uma metodologia que estimula a inovação para criar um sistema produtivo circular “do berço ao berço” onde não existe o conceito de lixo, tudo é nutriente para um novo ciclo e resíduos são de fato nutrientes que circulam em ciclos contínuos.

A metodologia oferece uma estrutura simples e efetiva para a criação de produtos e processos industriais inspirados em métodos naturais, possibilitando a constituição de sistemas cíclicos de fluxos de materiais seguros e saudáveis para os seres humanos e para a biodiversidade.

 Neste sistema, os materiais empregados no processo produtivo são diferenciados entre dois ciclos industriais.

Os materiais provenientes do Ciclo Biológico são biodegradáveis e o uso é pensado para que possa retornar como nutrientes biológicos para o solo. Os materiais do Ciclo Técnico são  aqueles que não são produzidos de forma continua (materiais não renováveis). Estes materiais são otimizados de forma a circular em ciclos fechados. Neste sistema, ao contrario do modelo convencional, todos os produtos, bem como seus insumos, são desenhados para que alimentem continuamente a geração de novos produtos.

Resultado de imagem para cradle to cradle

Diferenciação entre os ciclos no sistema Cradle to Cradle – Créditos da imagem: EPEA


 

NBR ISO 14040   NBR ISO 14044 – Gestão ambiental – Avaliação do ciclo de vida

Quem define os princípios e a estrutura para se conduzir e relatar estudos de ACV é a norma NBR ISO 14040, já os requisitos e diretrizes da aplicação são definidas pela NBR ISO 14044. Um Estudo de ACV completo deve contemplar desde a extração dos recursos naturais até o destino final do produto. A este processo de quantificação dá-se o nome de Inventário de Ciclo de Vida.

Water Footprint Network – Cálculo de pegada hídrica

A pegada hídrica é um indicador do uso da água que considera não apenas o seu uso direto por um consumidor ou produtor, mas, também, seu uso indireto.  A pegada de um produto é o volume de água utilizado para produzi-lo, medida ao longo de toda cadeia produtiva. É um indicador multidimensional, que mostra os volumes de consumo de água por fonte e os volumes de poluição pelo tipo de poluição; todas as componentes de uma pegada hídrica total são especificadas geográfica e temporalmente.
A water Footprint Network é uma rede interWater Footprint Networknacional formada por organizações públicas e privadas que desenvolve soluções para diminuir e melhorar o consumo de água no mundo. Atuando no setor privado,  setor público e nos indivíduos, a rede concentra seus esforços em orientar estes diferentes setores, melhorando a eficiência no uso de água por parte das industrias, tornar a água acessível em todo o mundo e conscientizar e sensibilizar o consumidor sobre o impacto do seu consumo na disponibilidade de água para todos.
 
A pegada de água analisa o uso direto e indireto da água de um processo, produto, empresa ou setor e inclui o consumo de água e a poluição durante todo o ciclo de produção, desde a cadeia de abastecimento até o usuário final.
Base de dados padrão de consumo de água.
Um dos grandes desafios para o cálculo da pegada ambiental no ciclo de vida de produtos é a base de dados para o cálculo do uso dos diferentes insumos naturais utilizado no desenvolvimento de produtos e serviços pela industria. A WFN desenvolveu uma base padrão, o que permite calcular com maior precisão a pegada hídrica independente da região em que a mesma é utilizada.
No site da WFN você também pode conferir a sua pegada hídrica pessoal. Clique aqui para saber mais.

Water Footprint – ISO 14046: 2014

Uma das formas de conduzir e relatar uma avaliação da pegada de água é por meio da norma ISO 14046: 2014. Esta norma especifica princípios, requisitos e diretrizes relacionados à avaliação da pegada de água de produtos, processos e organizações com base na avaliação do ciclo de vida (ACV)
De acordo com a ISO 14046, uma avaliação da pegada de água depende, consequentemente de uma avaliação do ciclo de vida. A partir do conhecimento hidrológico existente, a aplicação da norma permite identificar a quantidade de água  utilizada e as mudanças na qualidade da água, incluindo dimensões geográficas e temporais relevantes , essenciais para um diagnostico preciso sobre os  potenciais impactos ambientais relacionados à água.
Desta forma, a aplicação da norma contribui, para além da avaliação dos impactos, a identificação de oportunidades para a redução de riscos nos diferentes estágios do ciclo de vida, bem como o fornecimento de informações importantes para os tomadores de decisão na indústria, governos ou organizações não governamentais de seus potenciais impactos relacionados à água. Porém, a comunicação dos resultados da pegada da água sob a forma de rótulos ou declarações, está fora do escopo da ISO 14046: 2014.

ISO 14067:2013 – Gases do efeito estufa – Pegada de carbono de produtos

Esta norma especifica princípios, requisitos e diretrizes para a quantificação e comunicação da pegada de carbono de um produto bem como  na comunicação por meio rótulos ambientais e declarações.  A ISO aborda apenas a categoria de impacto relacionada à mudanças climáticas e é aplicável a estudos CFP e diferentes opções para comunicação CFP com base nos resultados desses estudos. É importante que esta seja acompanhada pela ISO 14064-2:2006, que irá fornecer as bases para  especificação e orientação a nível de projeto para quantificação,monitoramento e elaboração de relatórios das reduções de emissões de gases de efeito estufa ou melhorias de remoção.
 
Certificação internacional de pegada social.

Social Footprint

A Social Footprint -Product Social Identity é uma certificação internacional de pegada social.

Criada  por meio da colaboração entre três organizações certificadoras – Bureau Veritas, CERTIQUALITY, GL DNV Business Assurance, a certificação  visa a envolver o consumidor nas decisões de compra mais consciente e apoiar os produtores que promovem uma comunicação mais transparente para o mercado, estimulando a melhoria das condições éticas e sociais entre todos os players do setor.

A rotulagem SFP prevê dois níveis, de acordo com o número, tipoe detalhamento dos indicadores.

A rotulagem SFP prevê dois níveis, de acordo com o número, tipo e detalhamento dos indicadores.


 
 
Por meio de uma metodologia clara é possível reconhecer o tamanho da produção, atividades (industrial, agropecuária, familiar)e, desta forma, estimular a melhoria das condições éticas e sociais dos diferentes anéis de sua cadeia produtiva.
A criação destes indicadores também possibilitam tornar transparente para o consumidor a cadeia a partir do qual um produto vem , a localização de fornecedores e atores envolvidos no processo de produção final do produto e a informação relativa.
A organização pode se comunicar com a ‘pegada social’. A ‘marca social’ é medida através do uso de indicadores sujeitos ao parecer de um comitê especial da SFP.
 

 
 
 

Como comunicar estes indicadores para o público consumidor?

 

Projeto Traces


Além de identificar os impactos sociais e ambientais e de desenvolver as estratégias de mitigação e compensação de impacto adequadas, é essencial empoderar o consumidor por meio da comunicação de seu produto, apresentando com clareza e atratividade os benefícios proporcionados pela aplicação das práticas de ecodesign.
Por meio do Ministério do Meio Ambiente, Terra e Mar da Itália e em parceria com o Instituto-e, Christian Ullmann participou da realização do projeto TRACES, que identificou as pegadas social,de carbono e de água de 6 das principais fábricas de uma marca mundial da área de vestuários.
 
 
 

Projeto Traces


 
 
A partir do projeto, foram rastreados o impacto ambiental e social e desenvolvidas as medidas de mitigação em algumas das comunidades produtoras como a da ilha de Mexiana, no arquipélago de Marajó, por exemplo.
O projeto foi comunicado por meio de vídeos, publicações e nas tags das roupas da marca.
 
 

Projeto Traces


 
As tags dos produtos envolvidos no projeto fornecem informações acerca da quantidade de carbono emitido, a quantidade de água envolvida na produção de cada peça e no aspecto social, as tags contém um mapa identificando as regiões envolvidas em seu processo produtivo.
Um bom exemplo de como estas informações podem ser uma medida qualitativa e quantitativa que, levando em conta o aumento da consciência do consumidor em relação ao impacto social e ambiental no desenvolvimento de produtos, pode ser utilizada, bem como a qualidade e o custo do produto, como critério de escolha na hora da compra. Por meio destas iniciativas é possível começar a incluir com mais transparência e realidade os reais custos de produção na venda de produtos, custos estes, até então, tratados como externalidades econômicas.
 
 
Conhecer normas para a identificação de impactos sociais e ambientais no desenvolvimento de projetos, metodologias criativas para a implementação de abordagens estratégicas de design para a sustentabilidade são essenciais para todo o profissional de sustentabilidade, que trabalhe dentro de grandes industrias ou que empreenda em seus próprios projetos.

Saiba mais sobre o Programa de Ecodesign e os demais programas oferecidos pela Design ao Vivo!

 
 

Referências:

– http://www.c2ccertified.org/
– http://www.epeabrasil.com
– https://www.iso.org/standard/43263.html
– KAZAZIAN, Thierry. Haverá a idade das coisas leves: design e desenvolvimento sustentável. Editora SENAC. São Paulo, 2005.
– MANZINI, Ezio; VEZZOLI, Carlo. O desenvolvimento de produtos sustentáveis: os requisitos ambientais dos produtos industriais. São Paulo: Edusp, 2002.
– Rayén Quiroga –  Información y Participación em el Desarollo de la Sustentabilidade em America Latina. La transicion hacia el desarrollo sutentável, Mexico: 2002
–  http://www.socialfootprint.it/
– http://waterfootprint.org/en/
Referência da imagem destacada – freepik.com
<a href=”http://br.freepik.com/fotos-vetores-gratis/alimento”>Alimento fotografia desenhado por Dashu83 – Freepik.com</a>
 

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Autor:


 
Rafael Souza
Biólogo por formação e educador facilitador por propósito de vida. Especialista em Ecodesign e apaixonado pelo ensino da sustentabilidade, atua como educador social na GERAR e como organizador e facilitador do Programa de Ecodesign da Design ao Vivo.