Como criar novas oportunidades, gerar negócios, resolvendo problemas e promovendo mudanças na forma como as pessoas  se relacionam entre si e com o meio que as envolve?
No módulo 4 do Programa de Ecodesign trabalhamos o tema Inovação Social: Comunidade e Consumidores. Ezio Manzini, doutor em Design e  Diretor da Unidade de Pesquisa Design e Inovação para a Sustentabilidade  do Politécnico de Milão e uma das referências em nosso programa, em seu livro “Design para a Inovação Social e Sustentabilidade”, a importância do conceito bem como todos elementos que envolvem o processo de inovação, que pode se dar em comunidades, organizações privadas e no terceiro setor.
Para Ezio, a “insustentabilidade, em uma escala local, é um processo de deterioração de contextos de vida, causado pela proliferação de bens remediadores, a crise de bens comuns e o desaparecimento do tempo contemplativo”.
Antes de falar em inovação social é importante compreender o contexto. O modelo de desenvolvimento que vivemos hoje, apesar de todos os avanços nas ciências, na produção de conhecimento e produção tecnológica, promove um modelo de bem estar baseado no consumo, onde quanto mais bens materiais (ou bens remediadores) temos mais a sensação de bem estar.
Naturalmente, um modelo de desenvolvimento que estimula o bem estar pelo consumo, iria gerar graves problemas socioambientais. Vivemos em uma sociedade que consome 100% dos recursos e serviços ambientais disponíveis em um ano (quantidade de recursos consumidos que permita a auto-regeneração de bens renováveis), são consumidos antes de setembro de cada ano. Além disto este consumo é desigual. De acordo com a United Nations Environment Programme – UNEP, cerca de 20% da população consome 80% dos recursos no mundo.
A proliferação destes bens remediadores vem acompanhada de uma crise de bens que são comuns a todos, sejam estes materiais (infraestrutura, qualidade dos aparelhos urbanos disponíveis à sociedade, acesso a produtos e serviços públicos) ou imateriais (senso de comunidade e interdependência, colaboração). Da mesma forma, poderíamos dizer que estamos vivendo uma “crise do tempo”. A vida acelerada do dia-a-dia, associada aos contextos urbanos onde “perde-se” muito tempo nas atividades diárias está fazendo as pessoas não terem mais tempo para a contemplação, abstração, geração de novas ideias, relaxamento.
Pensar em Inovação Social, nesta perspectiva, é pensar na transição da sociedade para um modelo de desenvolvimento que sustente a vida e favoreça as relações, assim como ocorre nos sistemas naturais. É uma nova forma de pensar a sustentabilidade, como um processo de “aprendizagem social”, da qual fará parte a construção de novas tecnologias e de valores, melhorando a gestão de seus recursos e indo além da conservação, propiciando regeneração ambiental na medida em que se regenera também a qualidade de vida das pessoas.
Segundo Manzini, este processo de transição ocorre por meio da experimentação de novas possibilidades de criar, consumir produtos, na criação e difusão de novos estilos de vida, que tenham seu bem estar fundamentado nos contextos, na regeneração dos bens comuns, na criação de serviços colaborativos e de uma “ecologia do tempo”.
Neste aspecto, a Inovação Social surge como forma de implementação de estratégias de sustentabilidade mas não pela perspectiva da escassez e sim da criatividade e de um novo olhar sobre como nosso modelo de vida interage com o meio.

Somos uma Comunidade Global e Local

A Inovação Social surge a partir do entendimento do momento em que a humanidade está passando e se percebendo como agente, ao mesmo tempo, influenciado e influenciador deste contexto, ou nas palavras de Edgard Morin, quando entendemos que “produzimos a sociedade que nos produz”.
Por sua vez, a realidade global desencadeia variados contextos locais. Cada região exibe os reflexos do modelo de vida atual com suas particularidades. Para falar, portanto, em inovação social é importante definir o que é uma comunidade.
Uma “comunidade” é uma construção sociológica, que pode ser definida como o “estado ou qualidade das coisas materiais ou das noções abstratas comuns a diversos indivíduos, comunhão” (Houaiss, 2001) e que, de acordo com Webber (1987, p. 77), uma  “relação social na medida em que a orientação da ação social, na média ou no tipo-ideal, baseia-se em um sentido de solidariedade: o resultado de ligações emocionais ou tradicionais dos participantes.”(Webber, Max; 1987)
Portanto, o processo de Inovação Social precisa levar em consideração aspectos globais mas, sobretudo, as peculiaridades de cada região.

Empoderar para inovar – Inovar para empoderar

Assim como o conceito de comunidade, não há como se falar em inovação social sem falar em “Empoderamento”. Empoderar significa conceber poder a si ou ao outro, propiciando a tomada de poder de influência de um indivíduo ou grupo social, de forma a permitir que estes promovam mudanças no contexto que os envolvem. O processo de empoderamento passa pela capacidade de autonomia dos indivíduos de uma comunidade, mas principalmente, da comunidade enquanto um coletivo organizado, que se reconhece como tal e celebra sua emancipação, que acontece por meio de conquistas que são adquiridas pelo coletivo.
A importância do reconhecimento de uma comunidade que se identifica enquanto um coletivo organizado capaz de gerar suas próprias soluções se faz importante para que o conhecimento, bem como os valores aprendidos e apreendidos coletivamente, não se percam ao longo do tempo.

Horta comunitária do bairro Cristo Rei, em Curitiba, Paraná. Os moradores da região criaram um coletivo e se articularam politicamente para conseguir a autorização para manter o plantio da horta na calçada, mudando a lei que, até então, proibia a prática.

O empoderamento, portanto, não surge por meio de uma relação “top-down”, como ocorre em organizações convencionais, onde o processo de decisão é tutelado ao outro. Surge a partir de interações complexas e horizontais  – “de baixo para cima”(bottom-up), “de cima para baixo”(top-down) e “entre pares” (peer-to-peer) – , e que tem como característica o fato de que o processo de geração de soluções e tomadas de decisão surge a partir da cosmovisão das partes envolvidas no contexto.

A Bicicletaria cultural, de Tissa Valverde e Fernando Rosenbaum. Mais que uma bicicletaria, o espaço organiza atividades culturais, cursos, desde mecânica básica até ciclo empreendedorismo e organiza um projeto de adoção de bicicletas.

De acordo com Ezio Manzini, as comunidade criativas são organizações sociais que não podem ter seu nascimento planejado. Isto se deve ao fato de que o “senso de comunidade” ou a percepção de ligação e interdependência entre os diferentes indivíduos de um grupo, por vezes depende de uma “cola”, algum símbolo, problema ou objetivo que une o grupo.

Esta união pode, portanto, ser ou não temporária, gerando soluções prototípicas ou até mesmo  soluções maduras e  implementadas, esta última, caracterizada pela transformação da solução em forma de empreendimento, passível de ser escalável e replicável para diferentes contextos.

Design como estratégia de Inovação Social

Apesar de sua criação não poder ser planejada, é possível tornar a sua criação mais provável, a partir da criação de um ambiente favorável, com “serviços,produtos, espaços e ferramentas comunicativas de suporte”.
O design, portanto vem como uma habilidade fundamental, capaz de criar um ambiente favorável para a construção de relações significativas e desenvolvimento do potencial criativo para  gerar soluções para atender às suas necessidade. Além disto, o design se faz essencial na medida que permite a replicação e escalonamento das soluções criadas para diferentes contextos.
Segundo Ezio, a aplicação do Design em processos de Inovação Social se faz importante na medida em que auxilia as comunidades a “gerar visões de um sistema sociotécnico sustentável; organizá-las visões num sistema coerente de produtos e serviços regenerativos, as soluções sustentáveis e comunicar tais visões e sistemas adequadamente.”(Manzini, 2008)

IDDS – International Development Design Summits

Realizado pela  International Development Innovation Network (IDIN), em parceria com o D-LAB do Massachusetts Institute of Technology, o MIT, o IDDS são experiências práticas de design que reúnem pessoas de todas as formas de vida para criar inovações práticas e de baixo custo para melhorar a vida das pessoas que vivem na pobreza.

O processo de Inovação Social envolve pesquisadores de todo o mundo e enfatiza a importância da “co-criação”. A ideia é de que trabalhar com as comunidades é mais poderoso do que projetar soluções para elas. Durante uma cúpula, os participantes trabalham em equipes com membros da comunidade de países em desenvolvimento, aprendem o ciclo de design, identificam problemas e soluções e projetam protótipos.

A metodologia se baseia em 4 fases , que vão desde a introdução na comunidade, a imersão e enquadramento do problema até as geração de soluções e prototipação. Segue um conjunto de princípios que norteiam a forma na qual as soluções serão criadas e implementadas, de forma a fazer com que a comunidade se empodere das inovações que forem geradas.(IDIN, 2017)

Metodologia IDDS – Fonte – IDIN – International Development Innovation Network

CASE – IDDS AMAZÔNIA
Rafael Camargo  – designer, cartunista e Professor PUCPR, nos relatou sua experiência de 3 semana com diversos profissionais e pesquisadores de diferentes áreas junto a uma comunidade de ribeirinhos na margens do Rio Amazonas.

O IDDS Amazonia reuniu cerca de 40 participantes de diversas origens para co-criar soluções na Associação de Produtores Orgânicos de Boa Vista do Acará.
Os participantes trabalharam em estreita colaboração com os membros da comunidade local para aprenderem como viviam e procuraram entender os desafios que essas comunidades enfrentam.
Cinco equipes formaram-se para operar oficinas temporárias, ou “laboratórios”, que serviram como espaços colaborativos para co-criar soluções inovadoras para desafios de desenvolvimento relacionados à água, alimentação, energia, construção e um tópico aberto.

A experiência de Rafael gerou grandes reflexões acerca de empoderamento, linguagem, lucro e sobre como lidar com diferentes visões de mundo e expectativas para promover inovações sociais.
Você pode conferir a palestra que Rafael ministrou no lançamento do Programa de Ecodesign abaixo!
Palestra Inovação Social na Amazônia – Parte 1

Palestra Inovação Social na Amazônia – Parte 2

Referências:

  •  International Development Innovation Network (IDIN) – https://www.idin.org/idds
  • Manzini. E.  Design para a inovação social e sustentabilidade: comunidades criativas organizações colaborativas e novas redes projetuais. Ezio Manzini; Rio de Janeiro: E-papers, 2008a. (Cadernos do Grupo de Altos Estudos; v. 1)
  • Morin. E. Introdução ao Pensamento Complexo
  • Nexo Jornal. A origem do conceito de empoderamento, a palavra da vez Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/10/06/A-origem-do-conceito-de-empoderamento-a-palavra-da-vez
  • The UN Global Compact – Disponível em – http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:3RrFhPhUB5IJ:www.unep.fr/shared/publications/other/dtix0601xpa/docs/en/Module2%2520-%2520Session1.ppt+&cd=3&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

  • Weber, Max. Conceitos básicos de Sociologia. São Paulo: Editora Moraes, 1987. Em Mocellim, A. D. A comunidade: da sociologia clássica à sociologia contemporânea. PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v. 17, n. 2, pp.105-125, 2011. Disponível em: www.revistas.usp.br/plural/article/download/74542/78151

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Autor:

Rafael Souza
Biólogo por formação e educador facilitador por propósito de vida. Especialista em Ecodesign e apaixonado pelo ensino da sustentabilidade, atua como educador social na GERAR e como organizador e facilitador do Programa de Ecodesign da Design ao Vivo.